Manifesto (pt)

Os nossos pontos de força

Bombacarta nasce como uma rede de relações entre pessoas e não como lugar asséptico de aprendizagem passiva. Aprendemos a arte da amizade vivendo a amizade pela arte. A amizade não é um facto dado como adquirido. É construída com o contributo de quem deseja vivê-la, com as “normas” não escritas do respeito, da escuta, da dedicação, do espírito de iniciativa. Esta também, é uma arte. Além disso, Bombacarta não é, nem pretende ser, um fogo de artifício de textos e obras dispersas, nem simplesmente um “grupo recreativo”, mas sim um projecto crítico forte e articulado. A filosofia deste projecto centra-se na importância de uma meditação sobre as temáticas e sobre as questões principais sobre a arte e a expressão. Estes são os nossos “pontos de força”…

1. Empenhamento e aventura

Cremos no empenhamento cultural vivido como uma aventura avassaladora de solidariedade, gozo e transmissão de experiências.
Cremos na expressão criativa – que cada um de nós tem a sorte de hospedar em si – entendida como mistério, surpresa, capacidade de novas vistas sobre a realidade. Procuramos viver esta paixão pela criatividade num desafio de colaboração, comunicação e confrontação, contraposta a toda a atitude narcisista e individualista.
Cremos na comunicação, onde se cresce com entusiasmo e paciência, como instrumentos para partilhar as experiências e as representações do nosso sermos humanos, do mundo que nos rodeia e da nossa maneira de o perceber.

2. A arte

O homem conta-se e representa-se a si mesmo, representa a realidade, a própria imaginação. Vive dentro de si um transformar-se de intuições, curiosidades, perguntas, respostas, visões do abismo, descobertas sensíveis, experiências de triunfo ou prostração, solidões e comunhões. A expressão artística é um processo de invenção e produção, que dá forma a esta aventura existencial, que a conta, a pinta, a fotografa, a canta,…
Desta forma, entendemos a arte não como artifício ou como pura experimentação estilística. Podemo-nos aproximar da arte com a sabedoria ou com a ansiedade: para nós ela é forma de expressão e ao mesmo tempo de comunicação autêntica do que no homem há de mais humano.

3. Arte e vida

Não é de admirar, então, que expressões naturais como viver, morrer, escolher, amar, sonhar, sofrer, odiar, esperar e perdoar,… sejam o âmbito normal do nosso exercício artístico. Confiar à arte a comunicação da própria experiência e da própria linguagem significa para nós, de facto, entrar no jogo da busca da própria identidade.
Cremos que uma expressão da criatividade é “boa” se for portadora de uma verdade sobre o nosso existir, sobre o nosso mundo, sobre a nossa fantasia. Cremos que a arte é “boa” quando fala do homem e do seu mundo de uma forma autêntica: o homem na sua miséria, na sua sede, na sua busca de uma identidade e de elos significativos, na sua saudade, nos seus sentimentos e nas suas escolhas.
Percebemos como arte, portanto, a expressão criativa que fala do lado alegre e luminoso da existência, mas também do lado obscuro, do mal, do feio e do homem que vagueia longe e só. Percebemos uma obra como “falsa” quando se trata de uma expressão da criatividade que apenas pretende seduzir, sem reenviar para algo autêntico.

4. A experiência critica

Cremos que o acto crítico não tem por fim principal estabelecer a grandeza ou a mediocridade de uma obra de arte o de um autor. Consiste em ter um olhar aberto para amar, entender, interrogar e deixar-se interrogar. Ser “crítico” significa julgar a partir de uma paixão pelo mundo.
Para nós, a vitalidade de uma obra não está ligada a uma simples solicitação ou a um prazer exterior, mas coloca o interrogativo sobre o valor humano nela presente. Isso chama o interesse sobre o porquê e o como nasce uma obra, sobre as suas raízes mais profundas, o horizonte de onde ela nasce e as ressonâncias que a acompanham.

5. Arte e discernimento

Cremos que a arte ajuda-nos a ler-nos a nós próprios. O artista perscruta-se a si próprio e, no esforço de criar, foca naquilo que, sem a arte, talvez nunca teria observado dentro e fora de si. Nisto, a nosso ver, consiste o valor da verdadeira arte: ajudar-nos a reencontrar aquelas realidades, escondidas nas dobras de nós próprios, que corremos o risco de não conhecer.
Frequentemente a nossa vida é atravancada por inúmeras chapas fotográficas que permanecem inúteis porque a inteligência e o coração não as “revelaram”. Porém, a arte é como um laboratório de fotografia, onde as imagens adquirem contornos. A arte ajuda-nos a não tornar a nossa existência em nada mais do que uma cascata de água sem fim e sem sentido que, por incapacidade de interpretá-la, limitamo-nos a sofrer passivamente.

6. Interioridade e história

Estamos convictos de que a literatura e a arte permitem aceder às profundezas do coração do homem, revelando e expressando a parte mais verdadeira e autêntica de nós mesmos, as nossas raízes mais profundas e as nossas metas últimas. A vocação pela expressão artística significa, portanto, cultivar a capacidade de leitura criativa da vida entendida como texto rico em significados. A arte autêntica ajuda-nos a sermos mais inteligentes, sensíveis, moralmente fortes e a fazer frente ao “labirinto” da vida e da história para procurar o seu sentido.
Cremos que a arte requer um diálogo atento e consciente entre o mundo e a nossa interioridade crítica e criativa. Sem se adulterarem, podem ser um o reflexo da outra. As razões da alma e o plano histórico são duas dimensões inseparáveis: o exercício artístico diz respeito ao discernimento de um homem histórico relativamente ao seu ser no mundo.

7. Arte e artes

Cremos que todas as artes estão entrançadas entre elas e que juntas estão envolvidas numa osmose profunda. Entre as formas e as sensibilidades artísticas não existem, portanto, compartimentos estanques. Consideramos fundamental a troca dos talentos, das capacidades, dos recursos humanos e culturais entre as pessoas que praticam artes diferentes. Acreditamos que no encontro a criatividade pessoal pode ser potencializada. Obviamente mesmo neste espírito devem promover-se sempre as competências e as capacidades pessoais.

8. Exercício e talento

Estamos convictos de que arte significa também exercício e experimentação. O homem, artista nasce e em artista se torna, numa dialéctica inesgotável entre arte e vida, entre técnica e experiência, entre talento e sensibilidade. Assim, promovemos workshops e laboratórios onde se trabalha e se trocam ideias e experiências. O contributo construtivo recíproco ao trabalho pessoal (impressões, conselhos…) de alguma forma torna a obra num objecto que é também património colectivo.

(Traduzione a cura di Andrea Caneparo)

Obrigado a…

Ingeborg Bachmann, Charles Baudelaire, André Blanchet, Carlo Bo, Italo Calvino, Carlo Cassola, Nicolo Cusano, Giacomo Debenedetti, Ignazio di Loyola, Agostino d’Ippona, Charles Du Bos, Robert P. Harrison, Peter Lippert, Flannery O’Connor, Luigi Pareyson, Daniel Pennac, Marcel Proust, Rainer Maria Rilke, Arthur Rimbaud, Pier Vittorio Tondelli, Emanuele Trevi, Oscar Wilde.